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Editorial

Antibióticos intravítreos

Intravitreous antibiotics

Pedro Durães Serracarbassa1; Luciana Lucci Serracarbassa2; Luciana Duarte Rodrigues3

DOI: 10.1590/S0004-27492003000400025

RESUMO

OBJETIVO: Objetivo do artigo é apresentar os princípios básicos da anti-bioticoterapia intravítrea. Relatar os primeiros estudos relacionados à penetração intra-ocular dos antibióticos e o conceito das barreiras hemato-oculares. Ressaltar os achados associados à toxicidade retiniana e eficácia da injeção intravítrea dos antibióticos. Apresentar a antibioticoterapia intravítrea como uma opção segura e eficaz no tratamento das infecções intra-oculares.

Descritores: Endoftalmite; Infecções oculares; Antibióticos; Injeções; Corpo vítreo

ABSTRACT

The purpose of the article is to present the basic principles of intravitreous antibiotic therapy. To report the initial studies related to intraocular penetration of antibiotics and the concept of blood-ocular barriers. To point out the features associated with retinal toxicity and efficacy of intravitreous antibiotic injection. To present intravitreous antibiotic therapy as a safe and effective option for the treatment of intraocular infections.

Keywords: Endophthalmitis; Eye infections; Antibiotics; Injections; Vitreous body


 

 

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TERAPIA INTRAVÍTREA

Os princípios básicos do tratamento da endoftalmite consistem na introdução intensiva de antibióticos no intuito de combater o agente infeccioso e no uso de antiinflamatórios para limitar o dano causado pela inflamação.

Existem controvérsias relacionadas à melhor via de administração dos antibióticos. Diversos estudos experimentais e em seres humanos demonstraram que o uso tópico, subconjuntival e sistêmico de antibióticos não atingem concentrações intravítreas suficientes para tratar a maioria das infecções intra-oculares(1-4). Embora essas terapias forneçam níveis adequados de antibióticos para inibir o crescimento de organismos no humor aquoso, está demonstrado que o local preferencial de alojamento dos agentes infectantes é a cavidade vítrea, em vez da câmara anterior(5). Logo, exceto nos casos de endoftalmites leves causadas por germes de baixa virulência, as vias convencionais de administração de antibióticos devem ser usadas como terapia adjunta às injeções intravítreas, pelo fato de não fornecerem concentrações adequadas das drogas necessárias para eliminar a maioria dos agentes infecciosos.

O interesse pela toxicidade intravítrea de diversos antibióticos frente às terapias convencionais no tratamento das infecções intra-oculares pode ser justificado. Antes do advento dos antibióticos intravítreos, os resultados do tratamento da endoftalmite eram limitados. Diversos fatores foram atribuídos ao fracasso da terapia: extrema sensibilidade das estruturas oculares à inflamação, resistência dos organismos aos antibióticos usados, mecanismos frágeis de defesa do hospedeiro e baixa penetração dos antibióticos nos tecidos oculares(6-7). Os mesmos autores atribuem este último fator como o mais importante, afirmando que a natureza refratária da infecção ocular seria atribuída aos baixos e inconsistentes níveis de antibióticos no vítreo após o uso sistêmico ou tópico. Apesar das concentrações satisfatórias alcançadas no humor aquoso após a administração subconjuntival, a penetração da maioria dos antibióticos no segmento posterior é baixa, com exceção de algumas substâncias, como por exemplo, as do grupo das quinolonas(8).

A baixa penetração intravítrea pode ser explicada em parte pelas firmes junções das células do epitélio pigmentado da retina e células endoteliais das paredes dos capilares retinianos. Estas junções impedem a passagem intercelular dos fluidos, formando a chamada "barreira hematorretiniana". Esta barreira dificultaria a penetração de antibióticos exógenos na cavidade vítrea. Baseando-se nessa teoria, a forma mais lógica de ultrapassar a barreira fisiológica e anatômica e atingir concentrações vítreas satisfatórias rapidamente seria através das injeções intravítreas(9-10).

 

HISTÓRICO DAS INJEÇÕES INTRAVÍTREAS

Os primeiros estudos de drogas intravítreas foram publicados em 1944 por Von Sallman et al(11). Nesse trabalho, a endoftalmite experimental estafilocócica foi tratada com sucesso através da injeção intravítrea de penicilina.

Resultados semelhantes foram obtidos(12) e a partir desses trabalhos, muitos outros foram desenvolvidos utilizando injeções intravítreas de penicilina(13-16).

As injeções intravítreas foram então abandonadas por quase duas décadas por serem consideradas perigosas para a retina. A ausência de trabalhos de toxicidade retiniana das drogas intravítreas e a boa penetração vítrea da penicilina G subconjuntival contribuíram para o descrédito dessa terapêutica. Entretanto, o fracasso do tratamento endovenoso, tópico e subconjuntival das endoftalmites e a alta concentração atingida por substâncias intravítreas estimularam estudos nos anos seguintes. O advento da microscopia eletrônica trouxe ainda a possibilidade de se estudar os efeitos ultra-estruturais de inúmeras drogas inoculadas na cavidade vítrea e refinar suas dosagens. Em 1973, foram reiniciados os estudos das injeções intravítreas, demonstrando que o olho de um coelho normal poderia tolerar injeções intravítreas de anfotericina B na dosagem de 5 a 10mg. Doses superiores a 10mg levaram a alterações histológicas e eletrorretinográficas importantes(9). A partir destes trabalhos, numerosas outras substâncias antibióticas foram testadas na cavidade vítrea nas últimas três décadas, demonstrando assim, a potencialidade desta nova via de acesso intra-ocular (Quadro 1).

 

 

USO DAS INJEÇÕES INTRAVÍTREAS NA ENDOFTALMITE

A importância das injeções intravítreas no tratamento da endoftalmite bacteriana pós-facectomia foi determinada recentemente pelo Endophthalmitis Vitrectomy Study(17). O estudo prospectivo multicêntrico demonstrou que um número significativo de pacientes portadores de infecção intra-ocular e acuidade visual melhor que a da percepção de movimento de mãos obteve melhora apenas com injeções intravítreas de antibióticos, ao invés de procedimentos mais invasivos como a vitrectomia.

No tratamento inicial da endoftalmite, após a punção diagnóstica do humor aquoso e vítreo, opta-se preferencialmente pela associação de antibióticos de largo espectro, como a gentamicina, amicacina ou ceftazidime, com atividade bactericida especialmente voltada contra germes Gram negativos e vancomicina ou clindamicina, ativos principalmente contra germes Gram positivos. A vancomicina apresenta a peculiariedade de atingir estifilococos meticilina-resistentes e ação sinergética com aminoglicosídeos. A clindamicina é mais ativa contra germes anaeróbios como o Bacillus ssp e é a associação de escolha nos casos de endoftalmite pós-trauma perfurante ocular.

Trabalhos relatam possíveis efeitos deletérios do uso dos aminoglicosídeos intravítreos, como por exemplo, o infarto macular(18). Acredita-se que, além da toxicidade retiniana relacionada à concentração do aminoglicosídeo, outros fatores como a técnica de diluição e injeção do antibiótico, estejam envolvidos no processo de dano retiniano.

Optamos pelo uso dos aminoglicosídeos devido ao seu efeito bactericida "dose-dependente", à ação bactericida mesmo em altas concentrações de germes e sinergismo com a van-comicina. Por outro lado, o ceftazidime, droga de ação semelhante aos aminoglicosídeos, apresenta a desvantagem de não apresentar efeito bactericida "dose-dependente", é mais susceptível à alta concentração de germes e não possui sinergismo de ação com a vancomicina.

A injeção intravítrea de anfotericina B na dosagem de 5 a 10µg, associada ou não à vitrectomia, é o tratamento de escolha nas endoftalmites fúngicas com acometimento do corpo vítreo(19). Apesar da ação fungicida contra inúmeras espécies de fungos, a anfotericina B apresenta grande toxicidade retiniana local e deve ser injetada na cavidade vítrea com extrema cautela. A toxicidade da anfotericina B estimulou novos estudos de antifúngicos intravítreos (Quadro 1) como, por exemplo: o fluconazol(20), o itraconazol(21) e a espartanamicina B(22-23).

A toxicidade retiniana dos antibióticos intravítreos está relacionada ainda com a presença ou não do corpo vítreo. Em olhos vitrectomizados, a ausência do corpo vítreo expõe a retina a altas concentrações dos antibióticos injetados, tornando doses consideradas seguras em tóxicas para a retina. Recomenda-se, portanto que os antibióticos sejam adicionados ao fluido de infusão da vitrectomia (Quadro 2). Porém em olhos já vitrectomizados, opta-se pela diluição do antibiótico em 1/10 da dose considerada não-tóxica para a retina na confecção da injeção intravítrea.

 

 

CORTICOSTERÓIDES E ENDOFTALMITE

Optamos pela associação de corticosteróides e antibióticos intravítreos no tratamento da endoftalmite. A ocorrência de opacidades vítreas na resolução da infecção intra-ocular, ocasionadas pela desorganização das fibras colágenas do corpo vítreo, sugere a necessidade de associação de drogas antiinflamatórias e antibióticas no intuito de reduzir a resposta inflamatória e imunológica. O controle da inflamação parece preservar as estruturas intra-oculares dos produtos tóxicos celulares e enzimas(24-25).

Autores descrevem o uso de injeções intravítreas de dexametasona associada à anfotericina B no tratamento da endoftalmite experimentalmente induzida por C. albicans(26). Os autores comparam o tratamento com injeções intravítreas de apenas anfotericina B e observaram que os coelhos tratados com corticosteróides além da cura do processo infeccioso evoluíram com o desaparecimento das opacidades vítreas iniciais. Os coelhos tratados somente com anfotericina B obtiveram a cura da endoftalmite, porém permaneceram com opacidades vítreas residuais.

Estudos posteriores em coelhos, também apresentaram resultados satisfatórios na associação de corticosteróides e antifúngicos(27). Os autores especulam que ação dos corticosteróides sobre os nódulos vítreos formados por células inflamatórias envolvendo elementos fúngicos, facilitaria a ação posterior dos antifúngicos na cavidade vítrea.

Optamos pela injeção de 400µg de dexametasona intravítrea associada a antibióticos ou antifúngicos no tratamento inicial da endoftalmite.

 

TÉCNICA DE INJEÇÃO INTRAVÍTREA

Apesar da baixa toxicidade retiniana e da eficácia das injeções intravítreas no tratamento das infecções oculares, alguns cuidados devem ser tomados no momento das aplicações intra-oculares.

Em 1994 foi introduzido o conceito de efeito direto mecânico ("efeito de jato") sobre a retina causado por injeções intravítreas administradas de forma inadequada(10). Os autores atribuem muitos dos relatos de toxicidade retiniana das drogas intravítreas, principalmente dos aminoglicosídeos, à técnica incorreta de administração de substâncias na cavidade vítrea. Logo, recomenda-se que as injeções intravítreas sejam realizadas com agulha de calibre número 27, com a extremidade voltada para o vítreo médio e sua parte cortante direcionada para cima e administrada de forma lenta, no intuito de evitar o trauma mecânico da retina exercido pela força do jato.

Conclui-se, portanto, que a terapia intravítrea apresenta-se como uma via de acesso segura e eficaz no tratamento das infecções intra-oculares e mostra-se como uma opção nas terapias que exigem o uso de substâncias de pouca penetração na cavidade vítrea.

 

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