Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Entendimento dos médicos intensivistas sobre o processo de doação de córneas

The knowledge of the intensive care physicians on corneal donation

Adriana Maria Rodrigues1; Elcio Sato2

DOI: 10.1590/S0004-27492003000100006

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento e atitudes dos médicos intensivistas sobre o transplante de córnea. MÉTODOS: Questionário a 100 médicos intensivistas. RESULTADOS: Todos os médicos conheciam e incentivavam a doação de córneas, porém somente 57% deles haviam feito alguma solicitação para doação. Quarenta e quatro médicos (44%) não se acharam aptos a responder a dúvidas de possíveis doadores e todos estavam interessados em se atualizar a este respeito. CONCLUSÃO: Parece haver falta de informação e divulgação nas escolas médicas sobre transplante de córneas. Um melhor conhecimento dos profissionais da saúde poderia trazer melhoria na situação atual dos transplantes no Brasil.

Descritores: Transplante de córnea; Obtenção de órgãos; Conhecimentos, atitudes e prática; Papel do médico

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the knowledge and attitudes of intensive care physicians concerning corneal transplantation. METHODS: A questionnaire was answered by 100 intensive care physicians. RESULTS: All physicians knew about the procedure and were in favor of cornea transplantation, but only 57% had ever asked for a donation. Forty-four (44%) of all physicians did not feel able of answering questions by possible donors and all the physicians said to be interested in having more information about corneal transplantation. CONCLUSION: Information and education about transplantation in Medical Schools must be improved, in order to provide better understanding for intensive care physicians, in such a way that they could act more effectively when facing such situations.

Keywords: Corneal transplantation; Organ procurement; Knowledge, attitudes, practice; Physician's role


 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de melhores técnicas cirúrgicas e o sucesso cada vez maior no tratamento da rejeição dos transplantes de órgãos levou a um aumento na sobrevida dos transplantes, principalmente dos transplantes de córnea. Entretanto estes dados animadores são limitados pelo volume insuficiente de doações.

A disparidade existente entre o número de doadores em potencial e o número real de doações já foi discutida por muitos autores(1-2). Segundo uma estimativa americana publicada em 1990, dos 20.000 indivíduos que morrem por ano e são doadores em potencial, apenas 3.000 realmente doam(3). No Brasil esta situação não é diferente e estes dados parecem ser um reflexo, entre outras coisas, da desinformação por parte da população e classe médica.

Noventa e cinco por cento dos doadores de órgãos em potencial encontram-se nas unidades de terapia intensiva(3). Baseado nestes dados, pode-se afirmar que os intensivistas desempenham um papel importante na relação de doadores em potencial e a situação final da doação.

O objetivo deste trabalho é determinar o nível de conhecimento dos médicos intensivistas sobre transplante de córnea e como eles tem se conduzido frente a doadores em potencial.

 

MÉTODOS

Foi aplicado um questionário para obtenção de dados idade, sexo, ano de graduação, local onde exerce sua atividade profissional e mais 13 perguntas a 100 médicos intensivistas de todas as regiões brasileiras em atividade profissional por no mínimo um ano e com título de especialista na área de Medicina Intensiva. Os dados foram coletados durante o IX Congresso Brasileiro de Terapia Intensiva Adulto e Pediátrica que se realizou no período de 8 a 12 de abril de 2000 na cidade de Belo Horizonte. Os resultados foram analisados descritivamente e realizado Qui-quadrado para avaliação estatística.

 

RESULTADOS

Entre os entrevistados, oitenta e seis eram homens e 14 mulheres. A faixa etária mais encontrada com diferença estatisticamente significante foi entre os 30 a 40 anos (p=0,0016) (Tabela 1 e Gráfico 1).

 

 

 

 

Quanto aos anos de formados, quarenta (40%) médicos haviam se formado entre os anos de 1980 e 1990, quarenta e três (43%) entre os anos de 1990 e 2000, treze (13%) no intervalo entre os anos de 1970 a 1980 e, apenas 4 (4%) entre os anos de 1960 a 1970.

Na distribuição por regiões de atuação profissional (Gráfico 2), houve predomínio estatisticamente significante da região Sudeste (p<0,0001).

 

 

Todos os intensivistas questionados mostraram-se favoráveis a doação de córneas. Dois deles (2%) não eram doadores, segundo eles, por motivos pessoais; treze (13%) dos médicos entrevistados só autorizariam a doação de córneas de familiares se estes tivessem expressado essa vontade em vida.

Todos os médicos disseram ser importante incentivar a doação mas apenas 57 (57%) haviam solicitado a doação de córneas para seus pacientes. Dos 57, dezoito (31,6%) fizeram menos do que 10 solicitações de doação, quinze (26,3%) entre 10 e 20 solicitações e 24 (42,1%) mais de 20 solicitações de doação de córneas. Para os médicos que fizeram solicitação de doação foi questionado se eles haviam recebido alguma negação e, dez (17,5%) responderam que não e 47 (82,4%), sim; destes, cinco (10,6%) tiveram a negação alegando motivos religiosos, onze (23,4%) por medo de mutilação do cadáver e 31 (66%) a negação foi por burocracia e demora no contato na captação das córneas.

Dos médicos entrevistados, quarenta e quatro por cento não se achavam aptos a esclarecer as dúvidas de possíveis doadores de córneas.

Quando se questionou o conhecimento que tinham sobre doação de córneas, quarenta e dois por cento não sabiam como é feita a retirada das córneas, quarenta e sete por cento desconheciam como fica o aspecto estético do doador, cinqüenta e um por cento dos médicos não sabiam dizer qual seria o tempo máximo para a retirada das córneas e, cinqüenta e cinco por cento quais seriam as contra-indicações para a doação de córneas.

Todos os médicos intensivistas entrevistados gostariam de ter atualizações sobre transplante de córnea, sendo que 96 gostariam de ter essas informações por meio de folhetos explicativos e 4 por palestras.

 

DISCUSSÃO

A influência da equipe médica no número de doadores de órgãos e tecidos foi levantada por muitos autores(1-3). Dois dos obstáculos mais importantes no processo de doação citados porMack et al.foram a não procura de doadores e a falência na abordagem(4). A não procura, segundo este autor, está relacionada à educação escassa dos profissionais das áreas de saúde, inclusive os de terapia intensiva, já que esta é uma das principais fontes de doadores em potencial(3).

Todos os médicos abordados mostraram-se favoráveis à doação de córneas, sendo que apenas 2 deles diziam-se não doadores, segundo eles, por motivos religiosos.

Todos foram favoráveis ao incentivo à doação mas apenas 57 % destes haviam feita alguma requisição. Esses dados são semelhantes aos encontrados no trabalho realizado por Alves et al. que mostrou ser uma importante causa da não doação, a não solicitação pelos médicos intensivistas(5).

Segundo os médicos que solicitaram a doação de córnea, a principal causa de negação foi a burocracia e demora na captação das córneas. Estes dados mostram a necessidade da cooperação entre equipes de captação e equipes de médicos intensivistas para que a informação do óbito e de doadores em potencial não tenha atrasos eliminando-a como causa de negação à doação(3).

A maioria dos médicos abordada atuava na região sudeste e pertencentes à faixa etária de 30 a 40 anos, estes dados poderiam favorecer a informação e, para tal, o conhecimento básico dos intensivistas sobre o transplante de córnea foi questionado. Os resultados mostraram que aproximadamente 50% dos médicos não tinham informações básicas sobre o transplante de córnea e 44% dos médicos não se achavam aptos a responder a questionamentos de possíveis doadores. Estes dados mostram que o número de discussões e publicações sobre este tema é reduzido nas escolas médicas(5).

Todos os intensivistas entrevistados gostariam de obter mais informações e atualizações sobre transplante de córnea. Para este fim, como tem sido sugerido em vários estudos(5,7), torna-se necessária a criação de comissões e centrais de doação de órgãos, bem como a realização de campanhas de esclarecimentos nas escolas médicas.

Em estudo realizado na cidade de Curitiba, observou que aproximadamente 36% da negação a doação ocorreu por despreparo da equipe médica(5). Segundo Ishay, os médicos que cuidam do paciente tem receio em abordar os familiares demonstrando a falta de preparo e formação destes profissionais no sentido de se inserirem no espectro do transplante de órgãos, sendo estes(2), peças fundamentais para o aumento no número de doações.

Este estudo reforça a necessidade de uma melhoria no conhecimento divulgado nas escolas médicas sobre os transplantes e de uma maior atenção dos profissionais das unidades de terapia intensiva a este tema por serem estes o principal elo entre doadores em potencial e a realização do transplante.

 

REFERÊNCIAS

1. Loewenstein A, Rahmiel R, Varssano D, Lazar IM. Obtaining consent for eye donation. Isr J Med Sci 1991;27:79-81        

2. Ishay R. Eye donation - how to maximize procurement. Isr J Med Sci1991;27:89-91.        

3. McGough EA, Chopek MW. The Physician's role as asker in obtaining organ donations. Transplant Proc1990;22:267-72        

4. Mack JR, Mason P, Mathers WD. Obstacles to donor eye procurement and their solutions at the University of lowa. Cornea 1995;14:249-52.        

5. Alves MR, Crestana FP, Kanatami R, Cresta FB, José NK. Doação de córneas: opinião e conhecimento de médicos intensivistas do Complexo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Rev Med.1997;76:315-9.        

6. Farge EJ, Silverman ML, Khan MM, Wilhelmus KR. The impact of sate legislation on eye banking. Arch Ophtalmol 1994;112:180-5.        

7. Diamond GA, Campion M, Mussoline JF, D'Amico RA. Obtaining consent for eye donation. Am J Ophthalmol 1987;103:198-203.        

 

 

Endereço para correspondência
Adriana Maria Rodrigues
R. Síria, 290, 10º andar, São Paulo (SP)
CEP 03086-040.
E-mail: [email protected]; [email protected] 

Recebido para publicação em 13.12.2001
Aceito para publicação em 12.06.2002

 

 

1 Médica Oftalmologista, estagiária da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP
2
Professor Assistente e colaborador do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, Coordenador do Banco de Olhos do Hospital São Paulo


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