Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Efeitos da constrição pupilar na perimetria de freqüência dupla em olhos normais

Effects of pupillary constriction on frequency doubling perimetry in normal eyes

Enyr Saran Arcieri1; Cybele Crosta1; Rui Barroso Schimiti1; Susana Bolívia Saavedra Pozo1; Vital Paulino Costa1

DOI: 10.1590/S0004-27492002000500006

RESUMO

Objetivo: Estudar os efeitos da redução do diâmetro pupilar nos resultados da perimetria de freqüência dupla em um grupo de voluntários normais. Métodos: Dezoito voluntários saudáveis participaram do estudo. Realizou-se perimetria de freqüência dupla no olho direito de cada participante (estratégia "Full Threshold" C-20). Para a segunda sessão de perimetria, instilou-se uma gota de pilocarpina 2% no olho direito dos voluntários e refez-se o exame após 60 minutos. Resultados: Sessenta minutos após adição de pilocarpina 2% houve redução significante do diâmetro pupilar de 4,22 ± 0,17 mm para 1,55 ± 0,51 mm (p<0,05). Houve redução significativa da sensibilidade retiniana média após constrição pupilar de 5,67 ± 2,49 dB nos 5º centrais, 4,49 ± 2,73 dB entre 2,5º e 10ºe 5,10 ± 3,55 dB entre 10º e 20º (p<0,01). Observou-se redução de 4,06 ± 2,67 dB no "mean deviation" e aumento de 0,64 ± 0,94 dB no "pattern standard deviation" (p< 0,01). Não se observaram diferenças em relação às respostas falso-positivas, falso-negativas, perdas de fixação e duração média do exame (p>0,05). Conclusão: A alteração do diâmetro pupilar está associada a redução significativa dos limiares de sensibilidade dentro dos 20º centrais do campo testado pela perimetria de freqüência dupla. Estes resultados sugerem que seja importante manter o diâmetro pupilar constante em exames seriados.

Descritores: Miose; Mióticos; Perimetria; Pupila; Contração muscular; Pilocarpina

ABSTRACT

Purpose: To study the effects of pupillary constriction on frequency doubling perimetry in a group of normal subjects. Methods: Eighteen healthy volunteers participated in the study. Only one eye per patient (right eye) underwent frequency doubling perimetry (Full Threshold C-20 strategy). For the second session, one drop of 2% pilocarpine was administered to the volunteers' right eye and the examination was repeated after 60 minutes. Results: Sixty minutes after administration of 2% pilocarpine, there was a significant reduction of the pupillary diameter from 4.22 ± 0.17 mm to 1.55 ± 0.51 mm (p<0.05). There was a significant reduction of the mean retinal sensibility after pupillary constriction. The threshold sensitivity of the central 5º worsened by 5.67 ± 2.49 dB; the area between 2.5º and 10º worsened by 4.49 ± 2.73 dB; and the area between 10º and 20º worsened by 5.10 ± 3.55 dB (p<0.01). A reduction of 4.06 ± 2.67 dB was observed in the mean deviation, as well as an increase of 0.64 ± 0.94 dB in the pattern standard deviation (p<0.01). No differences were observed regarding the number of fixation losses, false-positive and false-negatives responses, and duration of the examination. Conclusion: Changes in pupillary diameter may produce significant declines in threshold sensitivities of the 20º visual field tested by frequency doubling perimetry. These results suggest that is important to maintain a constant pupillary diameter in seriate examinations.

Keywords: Miosis; Miotics; Perimetry; Pupil; Muscle contraction; Pilocarpine

INTRODUÇÃO

Os parassimpatomiméticos, ou mióticos, foram a primeira classe de drogas utilizadas no tratamento do glaucoma, tendo sido introduzidos em 1870(1). A pilocarpina é o miótico mais comumente usado e o mais extensivamente estudado(1). A miose provocada pela pilocarpina resulta primariamente da estimulação direta do músculo esfíncter da íris, embora inibição colinérgica significativa do músculo dilatador da íris tenha sido demonstrada em olho bovino(2).

Pacientes sob o uso de agentes mióticos, com diâmetro pupilar reduzido (menor que 3 mm), são freqüentemente submetidos à perimetria automática(3). A miose pode causar obscurecimento visual e alterações no campo visual, especialmente quando existem também opacidades dos meios transparentes. A redução do diâmetro pupilar impede a entrada de luz, reduzindo os limiares de sensibilidade na perimetria computadorizada de uma maneira global(3) e pode aumentar os defeitos de campo, mesmo após correção da miopia por ela induzida(4).

Recentemente, um novo tipo de perímetro computadorizado, denominado "frequency doubling perimetry" (FDP) - perímetro de freqüência dupla (produzido em conjunto pela Welch Allyn - Skaneateles, New York, USA e Zeiss Humphrey Systems - Dublin, California, USA), tem sido utilizado na avaliação de pacientes com glaucoma. Acredita-se que o FDP pesquise uma subpopulação de células ganglionares(5-6) (células My), que correspondem a 25% das células ganglionares magnocelulares (M). Vários estudos sugerem que o FDP pode ser de grande utilidade na triagem de pacientes com glaucoma(6-11), porém o efeito da miose nos resultados desse exame foram pouco pesquisados até o presente momento.

O objetivo do presente estudo é avaliar os efeitos da redução do diâmetro pupilar nos resultados da perimetria de freqüência dupla em um grupo de voluntários normais.

 

MÉTODOS

Voluntários normais, constituídos por médicos do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da UNICAMP, foram incluídos no estudo. Adotamos os seguintes critérios de inclusão: acuidade visual melhor corrigida igual a 1,0 em ambos os olhos, pressão intra-ocular < 21 mmHg, experiência prévia na realização do exame, biomicroscopia e fundoscopia normais.

Realizou-se medida do diâmetro pupilar com régua padronizada, utilizando a mesma iluminação de fundo para todos voluntários. A perimetria de freqüência dupla foi realizada utilizando-se a estratégia "Full Threshold" C-20, que testa 17 áreas distribuídas nos 20 graus centrais. As áreas testadas foram divididas em 3 regiões: a primeira região correspondente à área circular dos 5ºcentrais (uma área testada - região central), a segunda região que abrange as áreas testadas entre 0º e 10º,excluindo-se a área central (quatro áreas testadas - região intermediária), e a terceira região que abrange as doze áreas mais periféricas (região periférica), situadas entre 10º e 20º (Figura 1).

 

 

Após o exame oftalmológico inicial (destinado a avaliar os critérios de inclusão), realizou-se perimetria de freqüência dupla no olho direito de cada participante. Para a segunda sessão de perimetria, instilou-se uma gota de pilocarpina 2% no olho direito dos voluntários. Após 60 minutos da administração do colírio, os participantes tiveram sua acuidade visual aferida, o diâmetro pupilar medido com a mesma iluminação de fundo e submeteram-se a nova perimetria.

Avaliaram-se a acuidade visual (AV), o diâmetro pupilar, o tempo de duração do exame, a média de sensibilidade nas três regiões do campo visual, o "mean deviation" (MD) e o "pattern standard deviation" (PSD) fornecidos pelo programa estatístico do aparelho, antes e após a instilação do colírio. Definiu-se piora da acuidade visual como a diferença de pelo menos 1 linha na tabela de Snellen em relação ao exame inicial, e alteração significativa da AV como a diferença de pelo menos 3 linhas na tabela de Snellen em relação ao exame inicial (AV £ 0,7).

As comparações entre os 2 grupos foram realizadas usando o teste t de Student pareado para variáveis numéricas contínuas. Valores de P inferiores a 0,05 foram considerados significantes.

 

RESULTADOS

Dezoito voluntários saudáveis, com idade variando entre 24 e 50 anos (média de 30,77 ± 8,41 anos) participaram do estudo. Dos 18 voluntários avaliados, 8 eram mulheres (44,4%) e 10 eram homens (55,6%). O diâmetro pupilar inicial variou entre 3 e 6 mm (4,22 ± 0,17 mm). Sessenta minutos após adição de pilocarpina 2%, o diâmetro pupilar variou entre 1 e 2 mm (1,55 ± 0,51 mm). Houve uma redução estatisticamente significante do diâmetro pupilar após a instilação de pilocarpina 2% (p<0,05).

Após 1 hora da instilação do miótico, a acuidade visual variou entre 0,4 e 1,0. Após a instilação de pilocarpina 2%, houve piora da acuidade visual em 12 voluntários (66,7%), com os demais (33,3%) permanecendo com a visão de 1,0 (Figura 2). A média de piora da visão foi de 2,27 ± 2,16 linhas.

 

 

As respostas falso-positivas, falso-negativas e as perdas de fixação foram similares nos indivíduos antes e após a miose induzida por medicamento (Tabela 1). Não houve diferença estatisticamente significante entre a duração média dos exames (p=0,096). A duração média do exame foi de 4min15seg ± 26,51seg no primeiro exame e de 4min29seg ± 14,33seg após constrição pupilar.

 

 

As alterações dos limiares de sensibilidade nas diversas áreas do campo visual e dos valores médios obtidos nos índices globais MD e PSD encontram-se na Tabela 2. Houve uma redução significativa da sensibilidade média após constrição pupilar de 5,67 ± 2,49 dB nos 5º centrais, 4,49 ± 2,73 dB entre 2,5º e 10ºe 5,10 ± 3,55 dB entre 10º e 20º (p<0,01).

 

 

No exame inicial, nenhum indivíduo apresentou alteração significativa nos índices globais MD e PSD de acordo com a database normativa incluída no "software" do aparelho. Após adição de pilocarpina2%, observamos reduções no MD, com 6 indivíduos apresentando valores presentes em menos do que 5% da população normal (p<0,01). Em relação ao PSD, apenas 1 paciente apresentou valores encontrados em menos de 5% da população normal (p=0,324) após a instilação de pilocarpina.

Para avaliar se os pacientes que apresentaram queda da AV de pelo menos 3 linhas (AV £ 0,7) após o uso de pilocarpina foram os responsáveis pela redução do limiar de sensibilidade da perimetria de freqüência dupla, comparamos este grupo de indivíduos (n = 8) aos pacientes que não apresentaram alteração significativa da AV (n = 10) (Tabela 3).

 

 

A Tabela 3 revela que não houve diferença estatisticamente significante entre os limiares de sensibilidade das regiões central, intermediária e periférica entre os grupos com e sem alteração significativa da AV após o uso de pilocarpina. Em ambos os grupos, 3 indivíduos apresentaram MD < 5% após instilação de pilocarpina (p=1,00).

 

DISCUSSÃO

A constatação de que a miose reduz a sensibilidade na perimetria computadorizada em indivíduos normais foi comprovada por um estudo(4). Dados similares foram observados em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto, com uma redução de 1,49 dB no "mean deviation" em decorrência da miose induzida pela pilocarpina(12).

Em outro estudo de 5 indivíduos adultos sem alterações oculares (5 olhos), observou-se uma redução de 7,09 dB (p=0,027) nos limiares de sensibilidade da perimetria de freqüência dupla após miose induzida pelo uso de pilocarpina (diâmetro pupilar médio de 1,7 mm)(13).

Redução da iluminação retiniana e difração são os possíveis fatores responsáveis pela redução do limiar de sensibilidade na perimetria com pupilas mióticas(4), especialmente quando a pupila apresenta diâmetro inferior a 2 mm, como o demonstrado em nosso estudo. A presença de opacidade de meios e miopia induzida também poderiam explicar a redução do limiar de sensibilidade(14). A existência de opacidades de meio foi excluída no exame biomicroscópico. Apesar de alguns voluntários terem apresentado baixa na AV 60 minutos após o uso do miótico, a menor AV alcançada foi de 0,4. Quando utilizamos a fórmula de Le Grand(15) para calcular o valor do erro refracional induzido (AV=0,25/VR, onde VR=vício de refração), chegamos ao valor de 0,625, logo, a maior miopia induzida foi inferior a -0,75 DE (dioptrias esféricas). Como o aparelho não necessita da correção de vícios de refração até 7 DE(5), essas alterações da AV possivelmente não influenciaram os resultados do exame.

Diante do número de pacientes que apresentaram redução significativa (³ 3 linhas) da AV após o uso de pilocarpina, analisamos a possibilidade de que este subgrupo fosse o responsável pela diminuição dos limiares de sensibilidade na perimetria de freqüência dupla.

Assim, comparamos as variações de limiares de sensibilidade nas regiões central, intermediária e periférica entre este subgrupo e aquele formado por indivíduos que não apresentaram alteração significativa da AV após o uso de pilocarpina (Tabela 3). Constatamos que as variações de sensibilidade nos 2 subgrupos não diferem de maneira significante, sugerindo que a redução da AV não seja o fator determinante na redução dos limiares de sensibilidade após o uso de pilocarpina.

O índice MD expressa a sensibilidade global do campo visual e é reduzido tanto nas perdas difusas como nas perdas localizadas(15). Quando o valor do MD é encontrado em menos de 95% de indivíduos normais da mesma idade, a porcentagem de probabilidade é fornecida (p<5%, p<2%, p<1%, ou p<0,5%)(5). O índice PSD corresponde ao desvio padrão da média das diferenças de cada valor de sensibilidade encontrado em relação a um valor esperado (baseado no valor normal da localização e do MD)(16). Ele é pequeno num campo normal ou em um campo onde todos os pontos são igualmente anormais. Quando o valor do PSD é superior a 95% dos indivíduos normais de mesma idade, a porcentagem de probabilidade é fornecida (p<5%, p<2%, p<1%, ou p<0,5%)(5).

A análise dos índices globais MD e PSD após a instilação de pilocarpina 2%, de acordo com a database normativa incluída no "software" do aparelho, revelou uma redução significativa do MD sem que o PSD se alterasse (apenas 1 indivíduo apresentou valores encontrados em menos de 5% da população normal - p=0,324 - após a instilação de pilocarpina), sugerindo a ocorrência de redução difusa dos limiares de sensibilidade. Outros achados que comprovam a redução difusa dos limiares de sensibilidade após miose são as alterações significativas encontradas em todas as 3 subdivisões do campo visual (5º centrais, entre 2,5º e 10º, e entre 10º e 20º).

Nosso estudo demonstra a influência da redução do diâmetro pupilar nos limiares de sensibilidade dentro dos 20º do campo visual testados pela perimetria de freqüência dupla num grupo de indivíduos normais. Também reforça a importância da necessidade de manter diâmetros pupilares constantes nos exames seriados de perimetria de freqüência dupla para eliminar esse fator adicional de confusão na interpretação do exame.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Shields MB. Cholinergic stimulators. In; Shields MB. Textbook of glaucoma. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1997. chapter 25. p.384-97.         

2. Suzuki R, Oso T, Kobayashi S. Cholinergic inhibitory response in the bovine iris dilator muscle. Invest Ophthalmol Vis Sci 1983;24:760-5.         

3. Costa VP, Carvalho CA. Perimetria computadorizada um guia básico de interpretação. Rio de Janeiro: Rio Méd; 1995, Cap 7. p.90-101.         

4. Lindenmuth KA, Skuta GL, Rabbani R, Musch DC. Effects of pupillary constriction on automated perimetry in normal eyes. Ophthalmology 1989; 96:1298-301.         

5. Johnson CA, Wall M, Fingeret M, Lalle P. A primer for frequency doubling technology. Humphrey Manual. Rev B 12/98.         

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8. Cello KE, Nelson-Quigg JM, Johnson CA. Frequency doubling technology perimetry for detection of glaucomatous visual field loss. Am J Ophthalmol 2000;129:314-22.         

9. Sponsel WE, Arango S, Trigo Y, Mensah J. Clinical classification of glaucomatous visual field loss by frequency doubling perimetry. Am J Ophthalmol 1998;125:830-6.         

10. Johnson CA, Samuels SJ. Screening for glaucomatous visual field loss with frequency-doubling perimetry. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1997;38:413-25.         

11. Burnstein Y, Ellish NJ, Magbalon, Higginbotham EJ. Comparison of frequency doubling perimetry with humphrey visual field analysis in a glaucoma practice. Am J Ophthalmol 2000;129:328-33.         

12. Webster AR, Luff AJ, Canning CR, Elkington AR. The effect of pilocarpine on the glaucomatous visual field. Br J Ophthalmol 1993;77:721-5.         

13. Kogure S, Membrey WL, Fitzke FW, Tsukahara S. Effect of decreased retinal illumination on frequency doubling technology. Jpn J Ophthalmol 2000; 44:489-93.         

14. Klewin KM, Radius RL. Background illumination and automated perimetry. Arch Ophthalmol 1986;104:395-7.         

15. Le Grand Y. Form and Space Vision. Bloomington; Indiana University Press; 1967.         

16. Anderson DR. Automated static perimetry. St Louis: Mosby Year Book; 1992. p.84-6.         

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia, Setor de Glaucoma, Hospital das Clínicas da UNICAMP.
1
Médico do Departamento de Oftalmologia, Setor de Glaucoma do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Médico do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
2
Médica do Departamento de Oftalmologia, Setor de Glaucoma do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
3
Médico do Departamento de Oftalmologia, Setor de Glaucoma do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
4
Médico do Departamento de Oftalmologia, Setor de Glaucoma do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Médico do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência: Rua Corcovado, 155 - apto. 402 - Uberlândia (MG) CEP 38411-092
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 16.05.2001
Aceito para publicação em 29.10.2001


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