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Artigo Original

Cola terapêutica de cianoacrilato nas perfurações corneanas

Therapeutic cyanoacrylate glue for corneal perforations

Cristina Garrido1; Dalton Teles2; Koji Wagner2; Denise de Freitas2

DOI: 10.1590/S0004-27491999000600005

RESUMO

Objetivo: Avaliar indicações, evolução e complicações do uso do adesivo de cianoacrilato no tratamento dos afinamentos e perfurações corneanas. Material e Métodos: Vinte e seis olhos de 26 pacientes portadores de afinamento ou perfuração corneana (£ 2,5 mm de diâmetro) receberam adesivo tecidual à base de metil 2-cianoacrilato e, a seguir, lente de contato terapêutica hidrofílica sobre a área colada. Resultados: Entre as indicações para aplicação do adesivo de cianoacrilato, detectaram-se 12 (46%) casos de perfuração corneana causada por úlcera de córnea infecciosa. Dos 26 olhos que receberam adesivo, 15 (57,7%) necessitaram de uma única aplicação e 11 (42,3%) de duas aplicações. Houve evolução para leucoma corneano após desprendimento da cola em 13 (50%) olhos; necessidade de intervenção cirúrgica em 4 (15%) e permanência da cola em 9 (35%). A acuidade visual manteve-se inalterada em 15 (57,7%) olhos, melhorou em 7 (27%) e diminuiu em 4 (15,3%). Conclusões: O adesivo de cianoacrilato pode ser usado com sucesso no tratamento imediato dos afinamentos e perfurações corneanas, prorrogando ou até mesmo dispensando um futuro procedimento cirúrgico.

Descritores: Córnea; perfurações; adesivo

ABSTRACT

Purpose: To investigate the indications, outcomes and complications of cyanoacrylate tissue adhesive for stromal thinning and corneal perforations. Methods: Twenty-six eyes of 26 patients with stromal thinning or corneal perforations (£ 2.5 mm) received methyl 2-cya-noacrylate adhesive and bandage contact lens. Results: Twelve cases (46%) of corneal perforation were caused by infectious ulcer. For the 26 eyes that received adhesive, 15 (57.7%) needed only one application of the glue and 11 (42.3%) needed two applications. Thirteen eyes (50%) developed for leukoma; 4 (15%) needed surgery and 9 (35%) eyes remained sealed. Visual acuity remained unaltered in 15 eyes (57.7%), improved in 7 (27%) and got worse in 4 (15.3%) eyes. Conclusion: The cyanoacrylate adhesive is available to all ophthalmologists and is an effective method of temporary or permanent closure of an impending or frank perforation.

Keywords: Cornea; perforations; adhesive

INTRODUÇÃO

Pequenas perfurações e afinamentos corneanos podem ser tratados com adesivos teciduais, como por exemplo as colas de fibrina e de cianoacrilato 1-4.

A cola de fibrina tampona a área corneana perfurada e vai sendo substituída naturalmente por tecido fibroso; durante esse processo não é necessário o uso de lente de contato terapêutica pois a superfície da cola não é áspera 3, 4.

O adesivo de cianoacrilato foi descoberto por Coover (1959), sendo utilizado nos primeiros procedimentos oftalmológicos em 1963 5.

Este adesivo, ao selar as perfurações corneanas, serve de apoio ao crescimento de tecido cicatricial sobre a área perfurada além de possuir ação bacteriostática e inibir a migração de células inflamatórias, o que retarda a necrose estromal corneana. A superfície áspera da cola de cianoacrilato exige o uso concomitante de lente de contato terapêutica 6, 7.

Alguns autores demonstraram que a toxicidade tecidual dos polímeros sintéticos, in vivo e in vitro, relaciona-se com seus produtos de degradação e com a velocidade com que os mecanismos de degradação ocorrem. Assim, os derivados cianoacrilatos que se degradam mais rapidamente são mais tóxicos, apesar de apresentarem boa aderência tecidual 8.

Os autores fazem avaliação retrospectiva das indicações, evolução e complicações do uso do adesivo de cianoacrilato no tratamento dos afinamentos e perfurações corneanas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados retrospectivamente 26 olhos de 26 pacientes portadores de afinamento ou perfuração corneana, entre 11 e 83 anos de idade (média de 42 anos), que foram encaminhados ao Ambulatório de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP/EPM, no período de outubro de 1992 a maio de 1997.

Após consentimento por escrito dos pacientes, foi aplicado adesivo à base de 2- metil cianoacrilato na área corneana afinada ou perfurada (perfurações £ 2,5 mm de diâmetro).

Realizou-se o procedimento em ambiente cirúrgico, utilizando-se o seguintes materiais:

1. microscópio cirúrgico (D.F. Vasconcelos)
2. anestésico tópico (proparacaína)
3. blefarostato
4. 1 lâmina de bisturi n° 15
5. esponja de celulose
6. 1 agulha de 27 Gauge
7. 1 tubo de cola de cianoacrilato (Super bonder)
8. 1 seringa de 20 ml
9. 20 ml de ringer lactato
10. 1 lente de contato terapêutica hidrofílica

O procedimento foi realizado através de microscópio cirúrgico, sob anestesia tópica e com auxílio de um blefarostato. Usando-se lâmina n° 15, desepitelizou-se cuidadosamente a área corneana comprometida até 2 mm além da borda da lesão e, quando necessário, removeram-se os debris. Secou-se a área desepitelizada com esponja de celulose e, através de uma agulha de 27 Gauge, gotejou-se o adesivo sobre a córnea lesada. Com o bisel da agulha na posição horizontal, espalhou-se rapidamente o adesivo sobre toda a superfície corneana desepitelizada. Aguardou-se um minuto e irrigou-se continuamente a área colada com 20 ml de ringer lactato para que houvesse polimerização total do adesivo de cianoacrilato. A seguir, colocou-se uma lente de contato terapêutica hidrofílica sobre a superfície colada. Este procedimento foi repetido nos casos em que o adesivo desprendeu-se antes que a córnea estivesse cicatrizada.

Prescreveu-se colírio de ofloxacina 0,3%, quatro vezes ao dia, durante o tempo de permanência da lente de contato terapêutica no olho. As lentes foram trocadas a cada duas semanas.

Os pacientes foram analisados quanto ao sexo, idade, etiologia da perfuração ou afinamento corneanos, indicação para o uso da cola, acuidade visual antes e após a aplicação do adesivo, número de aplicações realizadas, uso ou não de lente de contato terapêutica, tempo de permanência da cola e evolução de cada caso.

 

RESULTADOS

Entre as indicações para aplicação do adesivo de cianoacrilato, detectaram-se 12 (46%) casos de perfuração corneana causada por úlcera de etiologia infecciosa (Tabela 1).

 

 

Dos 26 olhos que receberam adesivo corneano (Tabela 2), 15 (57,7%) necessitaram de somente uma aplicação do adesivo e 11 (42,3%) de duas aplicações. O tempo de permanência da cola nos olhos variou de quatro dias a um ano. Houve evolução para leucoma corneano após desprendimento da cola em 13 (50%) olhos; necessidade de intervenção cirúrgica em 4 (15%) e permanência da cola em 9 (35%). A acuidade visual manteve-se inalterada em 15 (57,7%) olhos, melhorada em 7 (27%) e diminuída em 4 (15,3%).

 

DISCUSSÃO

As principais aplicações do adesivo de cianoacrilato são as perfurações corneanas traumáticas e ulcerativas (infecciosas e não infecciosas) menores do que 2 mm de diâmetro 4.

Neste estudo, a etiologia infecciosa foi a causa mais freqüente das perfurações corneanas (Tabela 1). Este achado concorda com os de outros autores 9 que detectaram etiologia infecciosa em 43,3% das perfurações corneanas e melhora da acuidade visual final em 50% dos pacientes, após aplicação de adesivo à base de isobutil cianoacrilato nas lesões perfuradas. No presente estudo, somente 27% dos pacientes evoluíram com melhora da acuidade visual; 57,5% tiveram sua acuidade visual inalterada e 15,3% apresentaram baixa da acuidade visual. Isso pode dever-se ao fato de as úlceras corneanas aqui estudadas apresentarem localização mais central, ou porque o adesivo utilizado (2-metil cianoacrilato) era mais tóxico do que outros adesivos (n-butil e 2-isobutil cianoacrilato), o que causou cicatrização corneana mais intensa, piorando o prognóstico visual 1.

Na literatura há relatos de que mesmo os adesivos de cianoacrilato menos tóxicos (n-octil e n-butil) devem ser utilizados em pequenas quantidades (£ 3 µl) pois, caso contrário, causam reação inflamatória intensa, vascularização e necrose corneana ao redor da área colada 1.

O tempo de permanência do adesivo na córnea foi bastante variável neste estudo (4 dias a 1 ano). Em todos os pacientes aguardou-se até que o adesivo se desprendesse espontaneamente da córnea. Vale lembrar que alguns fatores influenciam na adesividade e permanência do adesivo na córnea como: tipo e pureza do adesivo, técnica de aplicação, tipo de ligação, natureza e estado da superfície e metabolismo tecidual.

Os 22 (85%) olhos que receberam adesivo corneano evoluíram bem e não necessitaram cirurgia de urgência. Quatro olhos (15%) apresentaram desprendimentos sucessivos da cola, requerendo ceratoplastia penetrante. Esses resultados demonstraram que o adesivo de cianoacrilato pode ser usado com êxito no tratamento imediato dos afinamentos e perfurações corneanas, pois retardam o processo de necrose estromal. Após receberem cola, os olhos tornaram-se menos inflamados, prorrogando ou até mesmo dispensando um futuro transplante de córnea. Tal procedimento melhora bastante o prognóstico cirúrgico 10.

O adesivo de cianoacrilato apresenta, ainda, ação bacteriostática contra microorganismos gram-positivos, especialmente durante o processo de polimerização. Não tem ação contra gram-negativos, provavelmente por eles apresentarem uma cápsula lipossacarídica, externamente à parede celular, que os tornam mais resistentes 6, 7.

Alguns autores acreditam que a toxicidade e a necrose tecidual causadas pelos adesivos de cianoacrilato alteram a barreira imunológica do hospedeiro, propiciando o aparecimento de infecções corneanas 11.

A adição de antibióticos ao adesivo de cianoacrilato proporcionando liberação lenta e contínua da droga, já está em estudo 12.

Poucas complicações foram detectadas com a aplicação do adesivo de cianoacrilato: 1 (3,8%) caso de conjuntivite papilar gigante e 1 (3,8%) de progressão da necrose corneana.

A principal limitação ao uso do adesivo de cianoacrilato é o tamanho da perfuração corneana, que nunca deve ultrapassar 3 mm de diâmetro; perfurações maiores necessitam de maior quantidade de adesivo o que aumenta significativamente sua toxicidade 10.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Refojo MF, Dohlaman CH, Koliopoulos J. Adhesives in ophthalmology: a review. Surv Ophthalmol 1971;15(4):217-36.         

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3. Wendler ME, Lichtenberg W, Falzoni WL, Falzoni R, Belfort Jr R. Adesivos teciduais no tratamento de perfuração corneana. Estudo comparativo em cobaios. Arq Bras Oftalmol 1983;46:138-40.         

4. Bonati JA, Suzuki H, Kara José N, Alves MR, Matheus LCA, Zanotto A, Leitão R. Resistência à pressão intra-ocular e aspectos histopatológicos em ferimentos perfurantes corneanos colados com fibrina: estudo experimental. Arq Bras Oftalmol 1998;61:15-24.         

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8. Leonard F, Kulkarni RK, Brandes G, Nelson J, Cameron JJ. Syntesis and degradation of poly (alkyl alpha-cyanoacrylates). J Appl Polymer Sci 1966;10:259-72.         

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12. Wahlig H, Dingeldein E, Bergmann R. The release of gentamicin from polymethacrylate beads. J Bone Joint Surg 1978;60:70.         

 

 

Trabalho realizado no Setor de Patologia Externa e Córnea do Departamento de Oftalmologia ¾ UNIFESP/EPM.

(1) Pós-graduanda (Doutorado) do Departamento de Oftalmologia - UNIFESP/EPM.
(2) (3) Estagiários do Setor de Patologia Externa e Córnea - UNIFESP/EPM.
(4) Chefe do Setor de Patologia Externa e Córnea - UNIFESP/EPM.

Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 822. São Paulo (SP). CEP 04023-062.


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