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Editorial

Teste do gelo no diagnóstico de miastenia gravis

Ice pack test in the diagnosis of myasthenia gravis

Nilson Lopes da Fonseca Junior1; Lucia Miriam Dumont Lucci1; José Ricardo Carvalho Lima Rehder2

DOI: 10.1590/S0004-27492010000200012

RESUMO

OBJETIVO: Demonstrar a sensibilidade e especificidade do teste do gelo no diagnóstico diferencial de ptose palpebral por miastenia gravis. MÉTODOS: Estudo prospectivo tipo ensaio clínico com grupo controle. Foi realizado o teste do gelo em pacientes portadores de ptose palpebral. Os pacientes foram divididos em 2 grupos, sendo o grupo I constituído por pacientes com miastenia gravis e o grupo II (controle) formado por pacientes portadores de ptose congênita, miogênica não-miastênica ou aponeurótica. RESULTADOS: Todos os pacientes do grupo I tiveram aumento da fenda palpebral de, no mínimo, 3 mm após a aplicação do gelo. Nenhum paciente do grupo II apresentou incremento da fenda palpebral após o teste. CONCLUSÃO: O teste do gelo mostrou-se específico para detecção de ptose palpebral de causa miastênica.

Descritores: Miastenia gravis; Temperatura baixa; Blefaroptose; Sensibilidade e especificidade

ABSTRACT

PURPOSE: To demonstrate the sensitivity and the specificity of the ice test in the differential diagnosis of ptosis in myasthenia gravis. METHODS: Prospective trial with a control group. The patients were instructed to hold a frozen ice pack on the closed ptotic eyelid. They were divided into 2 groups, with group I consisting of patients with myasthenia gravis and group II (control) consisting of patients with congenital, non-myasthenic myogenic or aponeurotic ptosis. RESULTS: All patients in group I had increased palpebral fissure for at least 3 mm after the application of ice pack. No patient in group II showed increased palpebral fissure after the ice test. CONCLUSION: Ice test proved to be specific for the detection of myasthenic ptosis.

Keywords: Myasthenia gravis; Cold temperature; Blepharoptosis; Sensivity and specificity


 

 

INTRODUÇÃO

Miastenia gravis (MG) é a desordem neuromuscular de transmissão mais frequente, caracterizada por fadiga anormal após atividade muscular repetitiva ou mantida e por melhora após repouso(1).

Trata-se de uma doença autoimune, com formação de anticorpo contra os receptores de acetilcolina na membrana das células musculares. O pico de maior incidência ocorre em adultos jovens, afetando predominantemente o sexo feminino(2).

O quadro clínico clássico da MG caracteriza-se por uma fraqueza muscular inconstante e diária, sendo mais leve durante o dia e mais intensa à noite. Outras características clínicas incluem disfagia e fadiga(1-2).

O diagnóstico da MG é feito por eletroneuromiografia (ENM), dosagem sérica de anticorpos anti-receptor de acetilcolina (AchR) e teste com edrofônio (Tensilon®)(1,3).

Em cerca de 50% dos pacientes portadores de MG, os olhos estão inicialmente envolvidos, com presença de ptose palpebral e diplopia. Acredita-se que em 15% desses pacientes, os sinais e sintomas são restritos aos olhos(1).

O diagnóstico da ptose palpebral por MG com o teste do gelo é rápido, barato, não-invasivo, seguro, e não apresenta efeitos colaterais(4). Estudos clínicos e laboratoriais observaram uma relação importante entre a temperatura e a MG, onde o frio melhora os sinais e sintomas desta doença e o calor ocasiona uma piora clínica(4-5).

O objetivo deste trabalho é demonstrar a sensibilidade e especificidade do teste do gelo no diagnóstico diferencial de ptose palpebral por miastenia gravis.

 

MÉTODOS

Estudo prospectivo tipo ensaio clínico com grupo controle. Foi realizado o teste do gelo em 40 pacientes portadores de ptose palpebral após a aprovação do estudo pelo Comitê local de Ética em Pesquisa.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo o grupo I constituído por pacientes com miastenia gravis (10 pacientes) e o grupo II (controle).

O grupo controle era formado por 30 pacientes, sendo 10 portadores de ptose congênita, 10 com ptose miogênica nãomiastênica e 10 com ptose aponeurótica (senil). Todos os pacientes tiveram seus diagnósticos confirmados após avaliação oftalmológica completa e, exames complementares específicos nos casos de ptose miogênica não-miastênica.

O paciente foi fotografado e a medida da fenda palpebral aferida na posição primária do olhar antes e imediatamente após o teste, pelo mesmo examinador.

O teste consistia na aplicação de uma bolsa de gelo sobre as pálpebras superiores do paciente durante três minutos, não simultaneamente. O tempo de intervalo entre o teste de um olho e outro foi de 10 minutos. O teste era sempre iniciado pelo olho direito.

O teste era considerado positivo quando se observava um incremento da fenda palpebral de 2 ou mais milímetros após a retirada do gelo (Figura 1).

 

RESULTADOS

O grupo I era formado por 7 pacientes do sexo feminino e 3 do sexo masculino. O grupo controle era formado por 30 pacientes. Dentre os 10 pacientes portadores de ptose congênita, 6 eram do sexo feminino e 4 do masculino. Dentre os 10 portadores de ptose miogênica não-miastênica (miopatia mitocondrial), 5 eram do sexo feminino e 5 do masculino e nos 10 portadores de ptose aponeurótica senil, 6 eram mulheres e 4 homens.

A idade média no grupo I foi de 53,9 anos (42 a 64 anos) e a da grupo II foi de 48,43 anos (15 a 75 anos).

Todos os pacientes do grupo I tiveram aumento da fenda palpebral de, no mínimo, 3 mm após a aplicação do gelo (sensibilidade de 100%) - (Tabela1). Pelo fato de o teste ser realizado em um olho por vez, foi possível observar que não houve alteração na medida da fenda palpebral no olho que permanecia fechado (em repouso) durante os três minutos de aplicação do gelo no olho contralateral.

 

 

Apenas um paciente do grupo II (controle) apresentou incremento da fenda palpebral após o teste. Entretanto o teste foi considerado negativo, uma vez que o incremento foi de apenas 1 mm (especificidade de 100% do teste do gelo para MG ocular) - (Tabela 2, 3 e 4).

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico da MG é feito baseado na anamnese, quadro clínico e exames complementares. Dentre estes exames podemos destacar a eletroneuromiografia (ENM), dosagem sérica do anticorpo anti-receptor de acetilcolina (AchR) e o teste com edofrônio(1).

A ENM apresenta uma sensibilidade de 80% nos casos de MG puramente ocular e 95% na MG sistêmica, porém sua especificidade é baixa, o teste é caro, necessita de profissional especializado e disponibilidade relativa(4).

A dosagem sérica do AchR é o teste mais específico no diagnóstico da MG. Entretanto sua sensibilidade na MG puramente ocular varia de 56 a 70%(6).

O teste com edofrônio (Tensilon®) apresenta uma sensibilidade de 86% para a MG ocular. Trata-se de um teste invasivo que pode ocasionar reações cardíacas adversas ao paciente, necessitando de profissional treinado para a sua realização(7-8).

Estudos prévios mostraram que o teste do gelo apresenta uma sensibilidade de 80 a 100% na MG ocular(5,9-13).

No presente estudo observou-se uma sensibilidade de 100% nos pacientes com MG.

A especificidade deste teste também apresenta altos índices na literatura. No estudo de alguns autores o teste do gelo apresentou uma especificidade de 100%(6), semelhante ao observado no presente estudo, onde o teste do gelo foi positivo apenas nos pacientes do grupo I.

A melhora da função do músculo miastênico após a aplicação de gelo ocorre pelo fato de que em temperatura abaixo de 28ºC há uma diminuição na atividade da acetilcolinesterase com consequente aumento na concentração de acetilcolina na fenda sináptica(14).

Esta teoria é contestada por alguns autores. Outros autores concluíram que a aplicação do gelo é parcialmente responsável pela abertura da fenda palpebral(15). Segundo estes autores, o repouso durante os dois minutos de crioterapia também auxiliaria na melhora da função muscular. Vale ressaltar que no nosso estudo apenas foi observada alteração da fenda palpebral nos olhos de pacientes miastênicos que receberam a aplicação do gelo. Os olhos destes pacientes que permaneciam fechados por 2 minutos, porém sem o gelo, não apresentaram melhora da abertura palpebral.

A desvantagem do teste do gelo é que somente pode ser aplicado na presença de ptose palpebral. Em pacientes miastênicos que apenas apresentam diplopia, os achados após o teste são subjetivos. O tempo de melhora na movimentação extrínseca ocular é insuficiente para a realização de teste ortóptico para comparação das medidas objetivas pré e pós-teste(16).

Na MG ocular os exames que auxiliam o diagnóstico, como o teste do edofrônio e a dosagem sérica do AchR, apresentam índices de sensibilidade diminuídos em relação a ENM e ao teste do gelo. A ENM apresenta uma sensibilidade de 80% nestes casos, porém sua especificidade é baixa(1).

 

CONCLUSÃO

Neste estudo o teste do gelo mostrou-se especifico e sensível para detecção de ptose palpebral de causa miastênica, apresentando índices de sensibilidade e especificidade de 100%.

 

REFERÊNCIAS

1. Almeida DF, Radaeli RF, Melo Jr AC. Ice pack test in the diagnosis of myasthenia gravis. Arq Neuropsiquiatr. 2008;66(1):96-8.         

2. Larner AJ, Thomas DJ. Can myasthenia gravis be diagnosed with the ice pack test? A cautionary note. Postgrad Med J. 2000;76(893):162-3.         

3. Phillips LH 2nd, Melnick PA. Diagnosis of myathenia gravis in the 1990s. Semin Neurol. 1990;10(1):62-90.         

4. Oh SJ, Kim DE, Kuruoglu R, Bradley RJ, Dwyer D. Diagnostic sensitivity of the laboratory tests in myathenia gravis. Muscle Nerve. 1992;15(6):720-4.         

5. Lertchavanakul A, Gamnerdsiri P, Hirunwiwatkul P. Ice test for ocular myathenia gravis. J Med Assoc Thai. 2001;84(Suppl 1):S131-6.         

6. Borestein S, Desmedt JE. Temperature and weather correlates of myasthenic fatigue. Lancet. 1974;2(7872):63-6.         

7. Tabassi A, Dehghani, Saberi B. The ice test for diagnosing myasthenia gravis. Acta Med Iran. 2005;43(1):60-2.         

8. Oh SJ, Cho HK. Edrophonium responsiveness not necessarily diagnostic of myasthenia gravis. Muscle Nerve. 1990;13(12):187-91.         

9. Sethi KD, Rivner MH, Swift TR. Ice pack test for myasthenia gravis. Neurology. 1987:37(8):1383-5.         

10. Santos-Lasaosa S, Pascual-Millán LF, Jericó-Pascual I, Larrodé-Pellicer P. Aplicación del test del hielo en el diagnostico de la miastenia grave. Rev Neurol. 2002;34(3):299-300.         

11. Golnik KC, Pena R, Lee AG, Eggenberger ER. An ice test for the diagnosis of myathenia gravis. Ophthalmology. 1999;106(7):1282-6. Comment in: Ophthalmology. 2000;107(4):622-3.         

12. Ertas M, Araç N, Kumral K, Tunçbay T. Ice test as a simple diagnostic aid for myasthenia gravis. Acta Neurol Scand. 1994;89(3):227-9.         

13. Czaplinski A, Steck AJ, Fuhr P. Ice pack test for myathenia gravis: a simple, no invasive and safe diagnostic method. J Neurol. 2003;250(7):883-4.         

14. Odabasi Z, Brooks JA, Kim DS, Claussen GC, Oh SJ. Ice-pack test in myasthenia gravis: electrophysiological basis. J Clin Neuromuscul Dis J. 2000;1(3):141-4.         

15. Kubis KC, Danesh-Meyer HV, Savino PJ, Sergott RC. The ice test versus the rest test in myasthenia gravis. Ophthalmology. 2000;107(11):1995-8.         

16. Saavedra J, Femminini R, Kochen S, de Zarate JC. A cold test for myasthenia gravis. Neurology. 1979;29(7):1075.         

 

 

Endereço para correspondência:
Nilson Lopes da Fonseca Jr
Rua Pedro de Godói, 269 - Apto. 153 - Bloco D -São Paulo (SP)
CEP 03138-010
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 24.01.2009
Última versão recebida em 23.03.2010
Aprovação em 26.03.2010

 

 

Trabalho realizado no Setor de Plástica Ocular da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Frederico Castelo Moura sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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