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Editorial

Lúpus discóide em pálpebras: relato de caso

Discoid lupus on the eyelids: case report

Rodrigo Beraldi Kormann1; Emanoelle Cunha3; Alexandre Telli da Silva4; Ana Paula Beckhauser5; Betina Werner5

DOI: 10.1590/S0004-27492009000400023

RESUMO

O lúpus discóide caracteriza-se por lesões limitadas à pele, eritematosas e recobertas por escamas brancas aderentes, que aparecem mais nas áreas expostas ao sol. Relatamos um caso de uma paciente feminina de 26 anos, com ardência e hiperemia dos olhos há meses, em tratamento de blefarite sem melhora. Apresentava ao exame lesões palpebrais ulceradas, que através do exame de imunofluorescência direta foram diagnosticadas como lúpus discóide. Diante de lesões palpebrais crônicas refratárias a tratamento clínico, mesmo na ausência de alterações nos exames complementares, deve-se realizar a biópsia incisional para elucidação do caso, e se necessário, o exame de imunofluorescência direta.

Descritores: Lúpus eritematoso discóide; Pálpebras; Blefarite; Imunofluorescência; Úlcera cutânea

ABSTRACT

Discoid lupus is characterized by erythematosus lesions limited to the skin, covered by adherent white scales, which rise at places more exposed to the sun. A case of a 26 year-old woman, who was suffering for months from redness and burning of the eyes, and was been treated for blepharitis without resolution is reported. On the eyelids exam, ulcerated lesions were found, that were diagnosed as discoid lupus by immunofluorescence. When faced with chronic lesions on the eyelids that do not respond to medical treatment, even if the ancillary exams are normal, the incisional biopsy must be performed to elucidate the diagnosis and, if necessary, immunofluorescence should be done as well.

Keywords: Lupus erythematosus, discoid; Eyelids; Blepharitis; Fluorescent antibody technique; Skin ulcer


 

 

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma colagenose que afeta principalmente mulheres em idade fértil. É uma doença de gravidade variável, que pode se limitar a lesões cutâneas e articulares, podendo assumir formas graves, envolvendo rins, sistema nervoso central, coração, pulmões e outros órgãos(1).

Sua etiologia é desconhecida. Existe um componente genético ligado aos HLAs DR2 e DR3 e defeitos na formação de certas frações do complemento e seus receptores celulares.

Existem também fatores desencadeantes que podem precipitar o seu aparecimento, como a luz ultravioleta, estrogênios, infecções virais e uso de determinados medicamentos (hidralazina, isoniazida, metildopa). Os pacientes com LES apresentam muitas anormalidades autoimunes(1).

Os pacientes com lúpus discóide possuem lesões limitadas à pele. Estas lesões podem ocorrer na ausência de exposição ao sol, porém são exacerbadas caso haja exposição. São lesões eritematosas, recobertas por escamas brancas aderentes, que aparecem mais nas áreas expostas ao sol e são acentuadas nas aberturas foliculares. As placas sofrem atrofia, com depressão e cicatrizes associadas a hipopigmentação no centro das lesões e uma margem hiperpigmentada. A biópsia de pele tanto para exame histopatológico rotineiro quanto para o exame de imunofluorescência direta é útil na confirmação do diagnóstico(1).

Apresentamos um caso de lúpus eritematoso discóide de pálpebras, inicialmente tratado há meses como blefarite.

 

RELATO DE CASO

AGL, sexo feminino, 26 anos de idade, estudante, natural e procedente de Guarapuava (PR).

Foi atendida em novembro de 2006, queixava-se de ardência, hiperemia e lacrimejamento em ambos os olhos há cerca de um ano. Estava há meses realizando tratamento clínico para blefarite com pomada de antibiótico e corticóide, colírio lubrificante e higiene dos cílios, mas não havia melhorado. Os antecedentes familiares eram negativos. Negava outras doenças.

Ao exame oftalmológico apresentava hiperemia na margem palpebral inferior em ambos os olhos, motilidade ocular normal e acuidade visual de 20/20 sem correção. Na biomicroscopia possuía lesões de margens palpebrais inferiores, entre o terço central e lateral, simétricas em ambos os olhos, com perda de cílios, ulceradas, hiperemiadas e bem friáveis (Figura 1).

 

 

Realizou exames em dezembro de 2006, com os seguintes resultados: hemograma normal, fator antinuclear (FAN) negativo e radiografia de tórax normal.

Foi realizada a biópsia incisional também em dezembro do mesmo ano, que mostrou que o quadro histológico poderia ser compatível com a hipótese clínica de lúpus eritematoso. (Figura 2)

 

 

Por fim, foi feita a imunofluorescência direta em março de 2007, onde conclui-se que o perfil de deposição de anticorpos era compatível com a hipótese clínica de lúpus eritematoso. A presença de corpos citóides imunofluorescentes refletia grande sensibilidade a raios ultravioleta (UV).

O tratamento foi realizado com prednisona 60 mg/dia durante 4 meses. A cada 15 dias diminuía 5 mg. Quando chegou em 20 mg/dia, começou a diminuir 5 mg a cada 10 dias. Também foi utilizada cloroquina 100 mg por dia, que ainda está em uso, e proteção solar.

 

DISCUSSÃO

O lúpus discóide palpebral é mais frequente nas mulheres jovens. As manifestações cutâneas do lúpus eritematoso crônico se apresentam geralmente nas áreas expostas, mas sua localização nas pálpebras é infrequente.

Nossa paciente apresentou lesões nas pálpebras inferiores, simétricas, associadas à perda de cílios, presença de eritema, descamação e telangiectasias, semelhantes aos sinais encontrados no caso descrito por Selva et al.(2).

Na maioria dos casos descritos, assim como no nosso, as lesões cutâneas se apresentavam como blefarite com pequenas placas infiltradas, de aspecto discóide, com edema, infiltração e inflamação(3-4). Blefarite pode ser encontrada isoladamente nestes pacientes, sendo muitas vezes relacionada à piora dos sinais e sintomas(1).

Além de blefarite, o carcinoma de glândulas sebáceas, carcinoma basocelular, psoríase e dermatite de contato fazem parte do diagnóstico diferencial(2).

Conforme Feldman et al., o estudo histopatológico mostra epiderme de espessura irregular, com vascularização de camada basal. Na derme observa-se infiltração perivascular superficial e profunda com vasodilatação, edema e dissociação do colágeno, com vasodilatação da substância fundamental, permitindo o diagnóstico de lúpus eritematoso crônico(3). Em nosso caso observamos na imunofluorescência direta presença de corpos citóides na derme papilar (Ig-M e Ig-G), que complementou os achados clínicos e confirmou o diagnóstico.

A presença de corpos citóides imunofluorescentes reflete grande sensibilidade a raios UV. Esses corpos citóides são queratinócitos degenerados (por exemplo, por raios UV) que caíram na derme papilar, aderindo-se às imunoglobulinas circulantes e ao complemento. As imunoglobulinas que mais se depositam nestes corpos são a Ig-A e a Ig-M(5).

Deve-se levar em conta que os exames laboratoriais podem oferecer ajuda no diagnóstico através da pesquisa do FAN somente em casos de doença sistêmica. Em casos puramente discóides esse teste é negativo ou fracamente positivo (abaixo de 1:160).

O tratamento é complexo. São utilizados corticóides intralesionais e drogas antimaláricas. Antimaláricos são usados para tratar lesões cutâneas e os corticóides em baixa dosagem são auxiliares no tratamento de lesões cutâneas e na artrite. Um dos principais problemas do LES é o controle a longo prazo. Na ausência de acometimento dos principais órgãos deve-se recorrer preferencialmente à terapia sintomática. A hidroxicloroquina (200 a 600 mg por dia) é eficaz para o acometimento cutâneo. A talidomida e os corticóides orais têm sido utilizados com bons resultados(3).

Alguns casos podem ser tratados cirurgicamente, depois de se obter remissão das lesões, mas podem aparecer novas lesões de lúpus sobre a cicatriz cirúrgica(3). Imiquimad creme 5% pode representar uma alternativa para pacientes com lúpus discóide(6). Nossa paciente, além da fotoproteção, iniciou corticóide oral (esquema regressivo), iniciando com 60 mg por dia e cloroquina (100 mg por dia) durante meses, tendo boa evolução.

Diante de lesões palpebrais crônicas refratárias a tratamento clínico, mesmo na ausência de alterações nos exames complementares, deve-se realizar a biópsia incisional para elucidação do caso, e se necessária, a imunofluorescência direta.

 

REFERÊNCIAS

1. Skare TL. Reumatologia: princípios e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.         

2. Selva D, Chen CS, James CL, Huilgol SC. Discoid lupus erythematosus presenting as madarosis. Am J Ophthalmol. 2003;136(3):545-6.         

3. Feldman G, Papa A, Baroni E, Amoros N, Giavarini A, Bergero A, et al. Lupus eritematoso crónico de localización palpebral: respuesta a la talidomida en un caso. Arch Argent Dermatol. 1995;45(3):101-3.         

4. Gloor P, Kim M, McNiff JM, Wolfley D. Discoid lupus erythematosus presenting as asymmetric posterior blepharitis. Am J Ophthalmol. 1997;124(5): 707-9.         

5. Campos S. Imunofluorescência direta de tecidos no lúpus eritematoso [Internet]. [citado 2008 Jan 12]. Disponível em: http://www.drashirleydecampos.com.br/ noticias/15036         

6. Gül U, Gönül M, Cakmak SK, Kiliç A, Demiriz M. A case of generalized discoid lupus erythematosus: successful treatment with imiquimod cream 5%. Adv Ther. 2006;23(5):787-92.         

 

 

Endereço para correspondência:
Rodrigo Beraldi Kormann
Rua Deputado Emilio Carlos, 50 - Apto. 52
Curitiba (PR) CEP 80540-080
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 01.09.2008
Última versão recebida em 16.01.2009
Aprovação em 26.01.2009

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - Curitiba (PR) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Davi Araf sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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