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Editorial

Efusão uveal associada à tuberculose presumida: relato de caso

Uveal effusion associated with presumed tuberculosis: case report

Juliana Ribeiro Rodrigues1; Amanda Vieira Abílio; Pedro Durães Serracarbassa2

DOI: 10.1590/S0004-27492008000500025

RESUMO

Os autores relatam a rara associação de efusão uveal e tuberculose ocular presumida em paciente do sexo masculino que apresentou melhora clínica com o uso sistêmico de prednisona 40 mg/d e rifampicina 600 mg/d. Descrevem, ainda, aspectos relevantes da efusão uveal, como etiopatogenia, evolução da doença, diagnóstico diferencial e tratamento, por meio de revisão da literatura.

Descritores: Doenças da coróide; Doenças da úvea; Descolamento retiniano; Uveíte; Tuberculose ocular; Relatos de casos

ABSTRACT

The authors report a rare association of uveal effusion with presumed ocular tuberculosis in a male patient who presented clinical improvement with the systemic use of prednisone 40 mg/d and rifampicin 600 mg/d. In addition, relevant aspects of the uveal effusion such as the pathogenesis, evolution of the disease, differential diagnosis and treatment are described through a revision of the literature.

Keywords: Choroid diseases; Uveal diseases; Retinal detachment; Uveitis; Tuberculosis, ocular; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

A efusão cílio-coroidiana é um acúmulo de material proteináceo em meio às fibras que ligam a coróide e o corpo ciliar à esclera. Classifica-se a efusão cílio-coroidiana ou efusão uveal como uma reação não específica observada em várias entidades clínicas(1), podendo estar associada às doenças sistêmicas como Vogt-Koyanagi-Harada(1-2); apresentar causas específicas como cirurgias oculares(3) ou pós-traumáticas(1); quadros não inflamatórios como leucemias(1), mieloma múltiplo(1), tumor de glândula lacrimal(1), linfomas(4), alterações vasculares (fístula carótido-cavernosa)(1) ou surgir após fotocoagulação retiniana(1). O mixedema também é descrito como causa de efusão uveal(5). Quadros inflamatórios como episclerite e esclerite, pseudotumor orbitário, oftalmia simpática e doenças do colágeno também podem levar à efusão cílio-coroidiana(1). Uveíte infecciosa como a sífilis(6) e a toxoplasmose(1) também são causas importantes. A efusão uveal e o nanoftalmo são duas entidades reconhecidamente relacionadas(5,7). A efusão uveal em olhos nanoftálmicos pode ocorrer de forma espontânea, após cirurgia de catarata, pós-trabeculoplastia; após cirurgia filtrante antiglaucomatosa e após laserterapia retiniana(8-9).

Em alguns casos de efusão cílio-coroidiana, a causa não é aparente e não há associação com doenças sistêmicas, a esta chamamos de síndrome da efusão uveal idiopática que é semelhante à observada no nanoftalmo, exceto pelo diâmetro normal do globo ocular(1,10).

No presente trabalho, apresenta-se um caso de efusão uveal secundária, sendo a tuberculose a etiologia mais provável.

 

RELATO DO CASO

O caso refere-se ao paciente J.P., de 50 anos de idade, sexo masculino, cor parda, natural de Luís, Estado de São Paulo. Procurou o ambulatório de oftalmologia queixando-se de baixa acuidade visual (BAV) de surgimento súbito no olho direito, com duração de 30 dias. A BAV é caracterizada pelo paciente como "uma mancha escura e central". Negava história de trauma, dor ou hiperemia ocular. O interrogatório clínico sobre os demais aparelhos foi negativo.

No exame oftalmológico observou-se refração dinâmica plana para longe e adição para perto de +2,00 em cada olho. Acuidade visual com correção era de 20/200 no olho direito e 20/20 no olho esquerdo. Ausência de alterações no exame de biomicroscopia anterior e da musculatura extrínseca ocular. Pressão ocular no momento da consulta: 8 e 12 mmHg no olho direito e olho esquerdo respectivamente. Reflexos fotomotor direto e indireto presentes e normais em ambos os olhos.

No mapeamento de retina notou-se olho esquerdo (OE) sem alterações e olho direito (OD) com descolamento de retina seroso inferior, atingindo mácula e descolamento de coróide nos 360º da periferia da retina (Figuras 1 A e B; 2 A e B).

Foi realizada angiofluoresceinografia (AGF); ultra-sonografia ocular (USG) e ultra-sonografia biomicroscópica (UBM) em ambos os olhos. À AGF notaram-se pontos de hiperfluorescência do tipo extravasamento do contraste, ao nível do EPR e no pólo posterior, que aumentaram de intensidade e tamanho com o decorrer do exame (Figuras 3 A a E). A USG ocular do olho direito denotou descolamento de vítreo parcial, espessamento de coróide e descolamento de retina na periferia (Figuras 4 A e B) e a UBM demonstrou espessamento (edema) e descolamento de corpo ciliar (Figuras 5 A a C).

 


 

Foram realizados exames subsidiários: hemograma com leucocitose e neutrofilia; IgG positivo para toxoplasmose, rubéola e mononucleose, PPD forte reator (enduração de 18 mm), VDRL negativo e RX de tórax sem alterações.

O paciente foi considerado com forte suspeita para tuberculose ocular e recebeu rifampicina 600 mg/d e prednisona 40 mg/d via oral. Após 30 dias do início do tratamento, houve melhora da acuidade visual no OD para 20/20 e resolução do descolamento de retina seroso, porém com descolamento de coróide presente. Nos três meses de seguimento, a acuidade visual ainda era de 20/20, a retina permanecia aplicada e o descolamento de coróide permanecia inalterado.

 

DISCUSSÃO

A efusão uveal pode ser idiopática ou de causas secundárias. A síndrome de efusão uveal idiopática foi primeiramente descrita por Schepens e Brockhurst em 1963, os autores descreveram 17 casos de síndrome de efusão uveal presentes, predominantemente, em homens de meia-idade, sendo que 30% deles apresentavam descolamento de coróide anular e o espessamento escleral foi encontrado em 47% do total dos pacientes(11).

O descolamento de coróide idiopático seroso, de corpo ciliar e de retina são descritos como síndrome de efusão uveal e, uma das causas dessa desordem são anormalidades esclerais que levam ao aumento da resistência ao fluxo transescleral de proteínas intra-oculares(12). Esta teoria explica a causa da efusão uveal onde o espessamento escleral é evidente, mas falha em relação àquela onde a espessura escleral é normal. Acredita-se que neste último caso há alterações na permeabilidade vascular coroidiana levando à efusão(13-14).

A síndrome de efusão uveal idiopática acomete principalmente indivíduos saudáveis e homens de meia-idade(10,12). A apresentação inicial mais comum é a baixa acuidade visual central, descolamento de retina exsudativo, acompanhado de espessamento ou descolamento de coróide e de corpo ciliar anular(5,8,12). Caracteriza-se também pela dilatação dos vasos episclerais e pressão ocular normal(12). A angiofluoresceinografia desses olhos geralmente revela retardo da perfusão coroidiana, fluorescência coroidiana prolongada, áreas focais de hiperfluorescência por vazamento do contraste através do epitélio pigmentado da retina e acúmulos de pigmentos semelhantes à pele de leopardo que surgem após alguns meses do descolamento(10,12). Alguns autores mostraram dois casos de efusão uveal idiopática nos quais a angiografia com indocianina verde apresentou alterações coroidianas sugestivas de inflamação inespecífica, caracterizadas por dilatação dos vasos e por áreas focais de hiperfluorescência perivascular coroidiana de início tardio, por extravasamento do contraste(14). A USG ocular é importante no diagnóstico de descolamento de retina, descolamento de coróide e de corpo ciliar e informa espessura de esclera e diâmetro axial do globo ocular.

Através da imunohistoquímica e microscopia eletrônica, é possível demonstrar o acúmulo anormal de glicosaminoglicanas na esclera, o que prejudica o fluxo transescleral de fluídos e contribui para o espessamento escleral. Essas observações descritas sugerem que o defeito na síntese e degradação das proteoglicanas na esclera pode representar uma forma de mucopolissacaridose ocular(15).

A doença tem um curso indolente, podendo levar meses a anos para a resolução do quadro. O tratamento clínico com corticoterapia e antimetabólitos muitas vezes é ineficaz(10,12), sugerindo ausência de inflamação, sendo o tratamento cirúrgico muitas vezes necessário, como a descompressão das veias vorticosas, com sucesso limitado, e esclerotomias a fim de aumentar o fluxo de fluídos supracoroidais, obtendo assim algum sucesso no manejo dessa entidade.

Todas as entidades clínicas causadoras de efusão cílio-coroidiana secundária formam o diagnóstico diferencial da síndrome de efusão uveal idiopática, são elas: síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada(2); nanoftalmia(5,7), tumores coroidianos (metástases, linfoma, melanoma)(1,4); mixedema(5); esclerite(1); sífilis(6); toxoplasmose(1); coroidorretinopatia serosa central idiopática(12); fístula carótido-cavernosa(1); oftalmia simpática(1) e pseudotumor orbitário(1).

O presente estudo relata um caso de efusão uveal secundária, sendo a tuberculose ocular a etiologia mais provável, diagnosticada através da alteração ocular presente, ausência de doença sistêmica e PPD forte reator. Estudo prévio analisou 17 pacientes com diagnóstico de tuberculose ocular, encontrando como forma mais comum de apresentação a uveíte crônica bilateral granulomatosa (35,3% dos casos) sendo que, apesar da diversidade de apresentações clínicas, nenhum caso evoluiu com efusão uveal(16). Nesse mesmo estudo a doença sistêmica era presente em 41,1% dos casos. O paciente do presente relato desconhecia contato com portadores de tuberculose, não tinha história pregressa da doença, nem diagnóstico de tuberculose extra-ocular na época, além de não possuir outras alterações oculares, exceto o descolamento de coróide e descolamento de retina exsudativo. Poucos são os diagnósticos de efusão uveal devido às uveítes, É descrito um caso de retinite por toxoplasmose com uveíte secundária, coroidite nodular e efusão cílio-coroidiana(1).

Os exames complementares realizados e a clínica oftalmológica descartam as diversas causas de descolamento de retina exsudativo e efusão cílio-coroidiana, levando a uma forte suspeita de uma etiologia inflamatória e infecciosa para o caso, que é sustentada pela melhora do quadro clínico com o início do tratamento. É válida a possibilidade da melhora clínica ter ocorrido apenas pelo uso do corticóide que tem ação antiinflamatória bem conhecida, não ocorrendo influência da rifampicina administrada, por isso, considera-se como o diagnóstico mais provável para o presente caso a tuberculose ocular presumida.

 

REFERÊNCIAS

1. Green WR, Kincaid MC, Fogle JA. Uveal effusion syndrome. Trans Ophthal Soc UK. 1981;101(Pt 3):368-75.         

2. Damico FM, Kiss S. Young LH. Vogt-Koyanagi-Harada disease. Semin Ophthalmol. 2005;20(3):183-90. Review.         

3. Sabti K, Lindley SK, Mansour M, Discepola M. Uveal effusion after cataract surgery: an echographic study. Ophthalmology. 2001;108(1):100-3.         

4. Gaucher D, Bodaghi B, Charlotte F, Schneider C, Cassoux N, Lemaitre C, et al. [MALT-type B-cell lymphoma masquerading as scleritis or posterior uveitis] J Fr Ophtalmol. 2005;28(1):31-8. French.         

5. Ward RC, Gragoudas ES, Pon DM, Albert DM. Abnormal scleral findings in uveal effusion syndrome. Am J Ophthalmol. 1988;106(2):139-46.         

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10. Anand R, Tasman WS. Nonrhegmatogenous retinal detachment. In: Ryan SJ, editor. Retina. California: Mosby; 2001. p.2076-99.         

11. Schepens CL, Brockhurst RJ. Uveal effusion. I. Clinical Picture. Arch Ophthalmol. 1963;70:189-201.         

12. Gass JD, Jallow S. Idiopatic serous detachment of the choroid, ciliary body, and retina (uveal effusion syndrome). Ophthalmology. 1982;89(9):1018-32.         

13. Gass JD. Uveal effusion syndrome: a new hypothesis concerning pathogenesis and technique of surgical treatment, 1983. Retina. 2003(6 Suppl):159-63.         

14. Kumar A, Kedar S, Singh RP. The Indocyanine green findings in idiopatic uveal effusion syndrome. Indian J Ophthalmol. 2002;50(3):217-9.         

15. Forrester JV, Lee WR, Kerr PR, Dua HS. The uveal effusion syndrome and trans-scleral flow. Eye. 1990;4(Pt 2):354-65.         

16. Almeida SRA, Finamor LP, Muccioli C. Alterações oculares em pacientes com tuberculose. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(2):177-9.         

 

 

Endereço para correspondência:
Juliana Ribeiro Rodrigues
Rua Oscar Freire, 1.753 - Apto. 112B
São Paulo (SP) CEP 05409-011
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 08.03.2007
Última versão recebida em 16.07.2008
Aprovação em 01.08.2008

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira - São Paulo (SP) - Brasil
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Haroldo Vieira de Moraes Jr. sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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